
Senhorinha é uma mulher sofrida. Veio de Monte Azul, cidade mineira, há 50 anos com os pais em busca de uma vida melhor. Casou, criou três filhos e perdeu o marido em 2006, mesmo ano em que passaria a herdar os caixões. Ela nem desconfiava disso. Naquele ano uma tal Maria do Carmo, acompanhada do esposo, Paulo, chegaram em Quarto Centenário e alugaram uma pequena sala comercial dela. Pagaram à vista o primeiro mês. Disseram que ali montariam um brechó chique. No entanto, passado um mês, um caminhão chegava com mais de 200 urnas funerárias. Como já haviam pago pelo aluguel, logo acomodaram os caixões. Senhorinha conta que o negócio deu errado porque o casal não conseguiu autorização para funcionar. Tentaram abrir a funerária em outras cidades da região. O insucesso os acompanhou, sempre. Um tempo depois, a aposentada não os viu mais.
Enquanto o tempo passava, as urnas continuavam em sua sala. Não recebia pelo aluguel e, ainda, tinha que se deparar com o imóvel lotado pelo material indesejável. Uma cena de horror. O desespero logo apareceu. Foi então que ainda em 2010, decidiu pegar um ônibus e ir de encontro ao casal em Foz do Iguaçu. “Sabia que eles moravam lá. Fui até Foz e os encontrei”, disse. Lá, segundo ela, Maria e Paulo informaram que não tinham mais dinheiro para tocar o negócio. Estavam sem condições até mesmo de resgatar os caixões. Eles também teriam dito que, a partir daquele instante, Senhorinha era a dona das urnas. Ali, naquele momento, o drama definitivo da aposentada iniciava.
Walter Pereira |
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Senhorinha C. de Oliveira carrega consigo já, há seis anos, 116 urnas funerárias. Herança indesejável |
Ao retornar a Quarto Centenário, Senhorinha e a filha passaram a ligar a todas as funerárias da região na tentativa de vender o material. Ninguém quis. Procurou então o prefeito da cidade a fim de que pudesse comercializar as urnas. Também não conseguiu. Num beco sem saída, teve ajuda municipal para, ao menos, levar os caixões até uma casinha dela. Finalmente, a sala comercial estava livre do incômodo. Desesperada, voltou a ligar às empresas do ramo para, desta vez, doar o material. Também não conseguiu. Ninguém aceitou a doação. Ela então não podia vender e, muito menos doar aquela herança maldita. Na última tentativa em livrar-se do problema, foi até a prefeitura pedir que levassem os caixões para que ateassem fogo. Também não permitiram. Senhorinha não tinha mais nada a fazer. O jeito foi sentar e dar risada. “Tristeza não paga conta”, disse.
Hoje, faz dois anos que todo o material fúnebre está amontoado na casinha da Rua Dias Adorno. Vândalos e curiosos quebraram os vidros do imóvel. Com isso, chuva e vento destruíram muitas unidades. Segundo ela, existem caixões de até R$12 mil, alguns importados até da Itália. Das 116 urnas, apenas 30 estão intactas. Senhorinha tem esse nome por causa da sua bisavó – era o mesmo nome. Atualmente, ela está aposentada e vive ao lado de uma das filhas, Cleuza. Reside na própria casa, aos fundos da sua sala comercial. Mas assim como todos, ela possui problemas. No seu caso, tem um a mais que todo mundo. Não consegue se livrar dos caixões. “Diante de tudo isso, descobri que nem quando eu morrer poderei usar um caixão desses. É que as funerárias não aceitam caixões se não forem seus. Tô lascada mesmo”, concluiu sorrindo.
Dilmércio Daleffe/itribuna.com
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